sábado, 28 de janeiro de 2012

Viver! E não ter a vergonha de ser FELIZ


Hoje fui levar minha sogra, minha filha e dois sobrinhos para passar uns dias na casa da minha cunhada na praia. No caminho ela começou a me falar sobre sua vida, sua infância e a medida que ela falava, lembrava de minha mãe que igualmente, teve uma vida parecida.

Minha mãe é do Alegrete, e minha sogra de São Borja, ambas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, terra de campo, de produção, ambas as cidades importantes para nosso estado.

Em um passado não muito distante as crianças trabalhavam desde muito cedo, as meninas eram colocadas em casas de “família” onde cuidavam de crianças e dos afazeres domésticos, muitas vezes não tinham nem 10 anos de idade. Assim aconteceu com minha sogra e minha mãe, ambas trabalham desde que se conhecem por gente.

Minha sogra casou cedo, queria sair de casa, tinha apenas 15 anos, foi o passaporte para a capital, onde criou seus cinco filhos, entre ele minha esposa. O seu sonho na capital não foi tão colorido assim, foi de muito trabalho e dor também, pois, dos cinco filhos, um partiu com apenas 14 anos, vitima de afogamento. Dor insuportável para uma mãe.

Minha mãe casou mais tarde, com 22 anos, involuntariamente, movida pela minha chegada, e criou seus quatro filhos trabalhando duro como minha sogra, ela já morava aqui em Porto Alegre, para onde veio com a sua “família adotiva”, onde conheceu meu pai.

Minha sogra "Gi" e parte de seus netos
Minha mãe e minha sogra viveram em uma época em que o trabalho doméstico era praticamente braçal. Criaram filhos com fraldas de pano, que precisavam ser lavadas após a criança batizá-las. Naquela época toda a roupa era lavada a mão, no inverno e no verão. Quando foram criadas as máquinas de lavar, só as famílias mais abastadas possuíam uma. Podem imaginar quanta roupa suja era produzida por famílias com esse número de membros? Pois é, além disso, elas cozinhavam, passavam, costuravam e ainda trabalhavam fora.

Quando era pequeno achava que minha mãe não dormia, ela estava sempre acordada, pois acordava antes de todo mundo, e dormia após todos estarem na cama, nunca via ela dormindo. Eu dei muito trabalho, pois se não bastasse as muitas responsabilidades de minha mãe, eu sou asmático, e naquela época não tinha “bombinha”, e quando entrava em crise, precisava correr para o hospital. Eu não conseguia caminhar, não tínhamos carro, nem telefone em casa, e tantas outras coisas que facilitam a vida da gente, muito dinheiro por exemplo. Assim, minha mãe tinha que correr comigo no colo, lomba acima, pegar um ônibus e ir ao hospital. Dura a vida de minha mãe! Dura a vida de minha sogra!

Uma história como a de minha mãe e minha sogra, é rica em todos os sentidos, rica em trabalho, rica em dores, rica em histórias, mas principalmente rica em AMOR. Por mais que a jornada fosse exaustiva, não faltou, e não falta AMOR para com seus filhos. Fui criado com muito Amor, assim como sei que minha esposa também foi.

Minha Mãe Flávia e a família que ela construiu com muito Amor
A caminhada para chegar até aqui foi dura, suportar as dores, os sofrimentos, as dificuldades, calejaram muito a vida de nossas mães, as marcas do trabalho são visíveis em seus corpos, mas nada que as impeça de zelarem por seus filhos e cumprirem os seus compromissos de mães e agora, seus compromissos de avós, algumas vezes avós-mães.

Durante a viagem, e nas horas que sucederam meu retorno, até poder escrever esse, passou um filme na minha mente, o filme da minha vida, de minha mãe, de minha sogra e das milhares de mães que criaram seus filhos com Amor, mas com muito sacrifício. Pensei nelas, mas também pensei que ainda hoje, por todo o Brasil, apesar do desenvolvimento e do crescimento econômico, existem muitas Flávias e Gizeldas criando seus filhos com muito Amor, mas com precárias condições, sem acesso as tecnologias e sofrendo inúmeras privações. A ironia de tudo isso, é que, destas famílias, saem homens e mulheres íntegros, trabalhadores, enquanto, muitas vezes, o mesmo não acontece nas famílias mais abastadas, onde o ter é mais importante do que o ser.

Queria agradecer a minha mãe e a minha sogra pelo exemplo que me deram, pelas avós dedicadas e amorosas que são, pelas mulheres trabalhadoras que ofereceram cidadãos de bem para nossa sociedade. Embora, muitas vezes, só lembrada em ocasiões festivas, como o natal, a FAMÍLIA ainda é o pilar mais importante de nossa sociedade. Veja um homem de bem e enxergará uma família por trás dele! Veja uma família de bem e enxergará um cidadão digno!

Obrigado Mãe e Gi, que Deus abençoe vocês!  



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Mais uma experiência no Sistema Público de Saúde

Era 1h da manhã de Sábado, dia 21.01.2012, quando minha filha me acordou para atender minha cunhada, que estava ao telefone, pois uma amiga da família, vizinha há muitos anos, estava passando mal e precisava de socorro. Começava aí, mais uma de minhas experiências com o sistema de saúde.

Parece impressionante, mas toda vez que tenho contato com hospitais, emergências, ambulatórios ou etc., acabo tendo motivos para escrever algo sobre o assunto. Foi assim com minha mãe, com meu sogro. Por que será?

A amiga, com mais de 70 anos, já estava doente, passou um longo período de internação, mas desta vez caminhava para sua última, pois, veio a falecer naquele mesmo dia.

Ela foi conduzida ao Hospital Conceição pela SAMU e segui em meu carro com a filha, que há 9 anos se dedicava com extremo afinco aos cuidados com a mãe, um exemplo que me comoveu muito. Teria que escrever uma postagem especial para relatar as atividades e a dedicação com que ela cuidava da mãe, principalmente nos últimos meses, que ela necessitava de uma atendimento especial, a impressão era de que ela não dormia nunca, tamanha era a atenção dada, tanto é verdade que, com extrema agilidade, ela detectou que algo não estava bem e imediatamente providenciou socorro.

Alguns minutos após a chegada ao hospital, fomos chamados a ingressar na “área vermelha” da emergência do Hospital Conceição, onde se passou a cena que me marcou muito: Era um corredor, com uma porta vermelha ao fundo, uma médica veio nos atender, estávamos eu, minha cunhada e a filha da paciente, amiga da família, a médica passou então a nos relatar que o caso era gravíssimo e que provavelmente ela não passaria daquela noite, tentou consolar a filha e falou sobre o caso. Diante daquilo comecei a olhar em minha volta e percebi que ao meu lado no chão havia pessoas deitadas. Sim, eram pacientes, deitadas no chão, e cobertas com um cobertor marrom. Só dava para ver um pedacinho do cabelo, pois eles cobriam a cabeça, provavelmente para se protegerem da luz e tentarem dormir, apesar do entra e sai de pessoas, típico de um corredor de hospital. Fiquei pensando:

Será que eles ouviam o que falávamos?

Como se sentiam, ali deitados, em condições muito precárias, no chão, com quatro pessoas estranhas em pé, ao seu lado, falando de morte?

Mil perguntas povoavam minha mente.

Olhei para dentro da sala a minha esquerda e reparei que havia dezenas de pessoas na mesma situação, deitadas no chão, em camas hospitalares, sentadas em bancos e cadeiras de rodas, eram muitas pessoas, muitas mesmos, não dava para circular no local sem correr o risco de pisar em alguém.

Fiz uma foto, com meu aparelho celular, para mostrar o corredor do Hospital. Não registrei nenhuma pessoa por uma questão de privacidade e respeito, apenas pode-se notar no lado direito, ao fundo, as pessoas deitadas no chão.

Comecei a ficar atordoado com aquilo, e meu espírito jornalístico dizia que deveria sacar minha câmera fotográfica e sair fotografando aquilo tudo, mas a necessidade de consolar e apoiar a nossa amiga, me fez tomar a decisão de sentar um pouco e olhar em minha volta, quando vi pessoas sendo atendidas, outras aguardando, olhei mães, sentadas com os filhos no colo, uma outra, em pé, apoiava a cabeça do filho jovem, em seu peito, gesto típico das mães, e que traz muito conforto.

Tudo isso que vi, me remeteu ao sentimento de paz, que nascia do caos, os funcionários ali presentes se esmeravam em atender os pacientes, e a grande maioria deles estava acompanhada de um parente ou amigo que procurava lhes dar conforto.

Essa postagem poderia ser um protesto as precárias condições de nosso sistema de saúde, porém preferi olhar pelo lado do amor, amor que consola, que cuida, o amor daqueles que trabalham por vocação e que atendem com dedicação e carinho àqueles que precisam, o amor que chora a perda e a saudade.

"Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...
Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra."

São Francisco de Assis

Mais do que reclamar eu fiquei pensando no que eu poderia fazer para mudar esta situação, como eu poderia agir, como cidadão, como indivíduo, para a melhoria destas condições? Não paro de pensar nisso, ao mesmo tempo que fico imaginado que, apesar de 42 anos de idade, nunca havia entrado na emergência do Hospital Conceição, que está reformado e mais organizado do que era no passado, o que me faz pensar nas muitas coisas que não conheço, nos muitos problemas que nem sei que existem, das inúmeras respostas que não tenho.

Esse é um ano eleitoral, devemos pensar bem em nossas escolhas, pois elas agem diretamente na solução de problemas como este, mas para escolhermos bem, devemos pensar no assunto, devemos refletir sobre a solução, devemos pensar o que nós podemos fazer e aquilo que não está ao nosso alcance, e que depende dos governantes. Enquanto isso, podemos fazer aquilo que está ao nosso alcance, que é dar o nosso amor àqueles que dele necessitam, e cuidar e zelar por aqueles que amamos, assim como nossa amiga cuidou de sua mãe até os últimos minutos de sua vida.